A Human Rights Watch entrevistou 73 pessoas afetadas diretamente devido ao uso dos produtos, incluindo comunidades rurais, indígenas, escolas e quilombolas. Organização é contra mudança na legislação.
A organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch divulgou um relatório nesta sexta-feira (20) em que documenta a intoxicação aguda devido ao uso de agrotóxicos em sete localidades rurais do Brasil, incluindo comunidades quilombolas, indígenas e escolas. O artigo traz entrevistas com moradores da Bahia, Pará, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.
O relatório reforça também a posição da Human Rights Watch, que junto com outras entidades, é contra o projeto de lei quer mudar legislação dos agrotóxicos no Brasil. Além de documentar o relato dos afetados, a organização faz recomendações a diversos órgãos da administração pública (veja mais abaixo).
No estudo, 73 pessoas foram entrevistadas. Entre os sintomas relatados, estão: vômito, diarreia, dormência, irritação nos olhos, dor de cabeça e tontura. Carina, com a identidade preservada no relatório, é estudante no município de Primavera do Leste, no Mato Grosso. Ela foi uma das que relatou os problemas na saúde.
“Eu comecei a me sentir mal, enjoada. Eu tentei beber água para melhorar, mas não ajudou. Eu comecei a vomitar várias vezes, até que vomitei tudo que tinha no estômago”, diz o texto.
De acordo com a diretora da organização no Brasil, Maria Laura Canineu, além dos registros de intoxicação, na maioria das regiões da pesquisa foram relatados casos de intimidação.
“Há um clima enorme intimidação nestas áreas. Por que as pessoas não falam mais disso? Por que elas têm medo de denunciar. Das sete localidade, em cinco os moradores falaram de ameaças, inclusive de morte”, contou.
Marelaine, que também não teve o sobrenome divulgado por questões de segurança, é professora no interior da Bahia e contou que os produtos chegam a atingir os alunos dentro da sala de aula:
“O avião estava jogando do lado da escola e o vento trazia para a escola. Não dava para sentir o cheiro, mas dava para sentir a neblina, o vapor entrando pela janela. As crianças, entre 4 e 7 anos reclamavam que suas gengivas e olhos estavam ardendo”, diz no documento.
O relatório “Você não quer mais respirar veneno” traz recomendações para órgãos do governo federal, como os Ministérios da Fazenda e da Saúde. Além da denúncia com relação à intoxicação aguda dos entrevistados, o texto também expõe o fato de que os pesticidas muitas vezes são pulverizados sem respeitar os limites em relação à comunidade – há uma “zona de segurança” que deve ter pelo menos 500 metros até povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento.
“Não existe nenhuma proibição no Brasil semelhante [à aérea] para a pulverização terrestre. Ou seja: é legal que um agricultor ou fazendeiro pulverize agrotóxico do lado da sala de aula, por exemplo”, completou Maria Laura.
Recomendações
O relatório faz ainda uma série de recomendações para diferentes órgãos. Veja os destaques abaixo:
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Criar zonas de segurança em torno de locais sensíveis (incluindo áreas de moradia e escolas) para todas as formas de pulverização terrestre. Suspender a pulverização aérea de agrotóxicos até que sejam feitos estudo sobre os impactos à saúde humana, ambientais e os custos econômicos da pulverização. Desenvolver um plano de ação nacional abrangente para reduzir o uso de agrotóxicos altamente perigosos no Brasil.
Ao Ministério da Saúde
Conduzir um estudo sobre os principais efeitos à saúde e os custos associados à exposição aguda e crônica a agrotóxicos entre as pessoas que vivem em áreas rurais, incluindo mulheres grávidas, crianças e outras pessoas vulneráveis.
Ampliar, em termos de número e tipo de alimentos e agrotóxicos testados, a análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA);
Ao Ministério do Meio Ambiente
Como parte de uma revisão nacional das políticas atuais de agrotóxicos, conduzir um estudo dos principais impactos ambientais das atuais políticas de agrotóxicos. Em conjunto com os Ministérios da Saúde e da Agricultura, desenvolver um plano de ação nacional abrangente para reduzir o uso de agrotóxicos altamente perigosos no Brasil, que deverá conter metas vinculantes e mensuráveis de redução com prazos e incentivos para apoiar alternativas e reduções no uso de agrotóxicos altamente perigosos.
Ao Ministério da Educação
Em conjunto com o Ministério da Saúde, realizar uma avaliação nacional das escolas particularmente sob risco de exposição à pulverização de agrotóxicos. Incluir o ensino sobre danos causados por agrotóxicos e estratégias de proteção no currículo escolar, como parte da educação ambiental.
Ao Congresso Nacional
Rejeitar projetos de lei que venham a enfraquecer a estrutura regulatória do Brasil sobre agrotóxicos, incluindo o projeto de lei 6.299/2002.
Designar apoio financeiro adequado ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ministério da Educação e ao Ministério dos Direitos Humanos para implementarem as respectivas recomendações deste relatório.
Aos Ministérios Públicos Federal e Estadual
Investigar e processar, sem demoras, os casos suspeitos de pulverização dentro de zonas de segurança ou de danos à saúde ou ambientais resultantes da pulverização de agrotóxicos;
Ao Ministério de Direitos Humanos
Proteger as pessoas em risco por denunciarem questões relacionadas a agrotóxicos no âmbito do atual programa de defensores de direitos humanos e outros programas;
Às Secretarias de Estado da Agricultura
Na ausência de ação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estabelecer e implementar rigorosamente as zonas de segurança para pulverização terrestre;
Às Secretarias de Estado da Saúde
Assegurar que a legislação existente sobre testes de água para consumo humano seja aplicada, particularmente a exigência de que provedores de serviços de água conduzam 2 testes por ano de todos os 27 agrotóxicos listados no regulamento do Ministério da Saúde sobre a qualidade da água para consumo humano
Às Secretarias Municipais de Agricultura
Na ausência de ação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou da Secretaria Estadual de Agricultura, estabelecer e aplicar rigorosamente as zonas de segurança para pulverização terrestre.
Às Secretarias Municipais de Saúde
Desenvolver e implementar o programa municipal de vigilância em saúde de populações expostas a agrotóxicos,
Contra o PL 6.299
O projeto de lei 6.299, de 2002 foi aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados no final de junho, mas ainda precisa ser votado em plenário. Se aprovado, a produção de agrotóxicos no Brasil pode sofrer mudanças nos critérios de aprovação, na análise de riscos e até no nome dado aos produtos.
Veja os principais pontos do projeto:
Designação
Como é atualmente: Agrotóxico.
Pelo projeto: Inicialmente era produto fitossanitário, em seguida o relator, deputado Luís Nishimori (PR-PR), alterou o termo para “pesticida”.
Controle do registro
Como é atualmente: O controle é feito por três órgãos (Ministério da Saúde, Ibama e Ministério da Agricultura). Todo o processo é manual e tramita em paralelo, nos três órgãos.
Pelo projeto: Unifica o processo, que fica sob comando do Ministério da Agricultura, mas os três órgãos darão pareceres sobre o produto. O processo passa a ser digital e integrado
Prazo para registro
Como é atualmente: Parecer sobre o produtor deve ser liberado em 120 dias. Mas atualmente leva oito anos.
Pelo projeto: O registro será de dois anos. Inicialmente, o relatório definia o prazo de 12 meses, para que o produto entre no mercado em dois ou três anos.
Registro temporário
Como é atualmente: Atualmente, não existe registro temporário de um agrotóxico
Pelo projeto: Para os produtos novos, usadas em pesquisas e em experimentos, haverá um registro temporário de 30 dias no Brasil. Para isso, o produto deve ser registrado em pelo menos três países-membros da OCDE e na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e deve ser usado na mesma cultura