Quando não é fatal, a contaminação por agrotóxicos pode provocar problemas graves como a cegueira e a perda dos movimentos. Conheça histórias de três vítimas do problema, todas do Paraná, estado com o maior número de casos relatados de intoxicação – e também o com o sistema mais eficiente de notificações.
A intoxicação por veneno é tema de um especial do Globo Rural que começa a ser apresentado neste domingo (31) e continua no próximo programa.
Nunca usou proteção
Valdir Furtado, 62 anos, lida com lavoura desde a infância. No sítio de 24 hectares que tem no município de Juranda, no Paraná, começou plantando algodão e depois soja e milho. Os agrotóxicos sempre fizeram parte da rotina da propriedade. E ele reconhece que nunca usou equipamento de proteção.
Nos tempos do algodão, aplicava os produtos com pulverizador costal. Eram venenos líquidos e em pó.
“Chegava em casa branquinho. Branquinho de veneno (…) Eu sentia às vezes vômito, mas não caçava um médico, né?”
Um dia, abriu a tampa da plantadeira em movimento, para checar se as sementes estavam caindo direito, e o veneno atingiu seus olhos. Ele perdeu 70% da visão no olho esquerdo e 30% no direito.
Contaminada na lavoura de fumo
Lídia Prado trabalha com lavoura de fumo desde a infância. Junto com o marido, Antônio, tocava a plantação em parceria com com uma grande empresa de tabaco. A família entrava com a terra e a mão de obra e a empresa com sementes, assistência técnica e insumos.
Certa vez, um dia antes da colheita, Antônio foi orientado por um representante da empresa a aplicar veneno nas folhas para combater pulgões.
O composto usado, organofosforado, mata o sistema nervoso da praga. “Ela morre de fome lá onde ela senta”, conta Lídia. Quando foi usar o veneno, ela ainda questionou.
“Eu falei: E para nós? O orientador disse: Para nós não faz nada, porque temos mais sangue do que ela (a praga).”
Há 15 anos, Lídia começou a apresentar sintomas de polineuropatia, uma doença neurológica degenerativa, que afeta os sentidos. As pernas já não sustentam o corpo e, por isso, ela usa cadeira de rodas. Agora, está perdendo os movimentos dos braços e convive com fortes dores o tempo todo.
Os organofosforados acabaram proibidos no Brasil, justamente por serem muito tóxicos. Mas, mesmo manipulando produtos desse tipo, Lídia teve que entrar na Justiça para comprovar que a doença foi causada pela exposição constante e prolongada a agrotóxicos.
A Justiça reconheceu, mas a empresa para quem a agricultora produzia o fumo, não quer indenizá-la nem arcar com o tratamento, porque ela não era formalmente uma funcionária.
Produtor de leite morreu
Como sempre fazia, o produtor de leite Júlio Quintino comprou, em 2016, casquinha de soja para alimentar suas vacas. Passou o dia descarregando o produto e, à noite, teve febre alta, vermelhidão pelo corpo, foi parar no hospital e faleceu.
O diagnóstico, conta o pai de Júlio, José Quintino dos Santos, não foi fácil. Os médicos chegaram a suspeitar de leptospirose e até de “fogo selvagem” (ou pênfigo).
“Eu batia que não era (doença), porque o moleque estava bom, normal, foi só de carregar aquilo ali. Eu falava que era o veneno, o dessecante”, diz.
O tal veneno, paraquat, é um herbicida usado para dessecar a soja e facilitar a colheita. O produto deixa resíduos na planta e, por isso, é preciso esperar 7 dias para colher os grãos. A suspeita de José é de que, para acelerar o trabalho, alguns produtores não esperam esse tempo.
A morte de três vacas alimentadas com a casquinha de soja ajudou a comprovar que Júlio havia mesmo sido vítima do veneno.
Para os fabricantes de agrotóxicos, os produtos são seguros e os casos de contaminação ambiental e intoxicação de pessoas são “excepcionais”.
De 2007 a 2017, data do último levantamento oficial, quase 40 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos foram notificados no Brasil. Quase 1,9 mil pessoas morreram.
“Eles não podem ser ignorados. Precisamos agir em cima desses casos. Quando um se torna conhecido, ações corretivas devem ser tomadas, de educação, de treinamento, de uso correto e seguro”, diz Mário Von Zuben, da Andef, entidade formada pelas indústrias.
Mesmo que, por enquanto, nosso modelo de agricultura não permita eliminar os agrotóxicos, os pesquisadores garantem que dá para fazer muito melhor do que fizemos até agora.
Segundo Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, é possível reduzir a contaminação no momento da aplicação com o uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs) e seguindo as formas corretas de aplicação.
“Aí tem a questão: como está minha conservação de solo, como está a minha aplicação frente às fontes de água? Estou respeitando os limites, as formas?”, questiona.
É justamente isso que o Globo Rural vai trazer no próximo domingo (7). O programa vai mostrar as técnicas que ajudam no controle de pragas e doenças usando menos agrotóxicos.